O professor é o principal protagonista de uma Educação de qualidade. Porém, são poucos os que desejam seguir a carreira docente no país. Em 2015, apenas 2,4% dos jovens de 15 anos queriam ser professores na Educação Básica, de acordo com o levantamento feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE).
Boas condições de trabalho (incluindo a remuneração) e um plano de carreira estruturado são essenciais para atrair os alunos mais talentosos do Ensino Médio para a profissão de professor. No entanto, de acordo com estimativas, menos da metade dos municípios brasileiros paga um salário de pelo menos o valor do piso nacional.
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E, por muito tempo não havia sequer a garantia de um piso remuneratório padronizado em todo o país. O piso tornou-se obrigatório com a Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008, que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional. A lei garante um vencimento inicial mínimo para todos aqueles que desempenham as atividades de docência ou de suporte pedagógico à docência (direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais), exercidas nas unidades escolares de Educação Básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima pela Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Prevê um valor (R$ 2.557,74, em 2019) abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial de nenhum professor com formação em nível médio, na modalidade Normal, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais, obedecendo-se a proporcionalidade em casos de jornada diferenciada.
A atualização do piso é atrelada ao percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano, definido nacionalmente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). De lá para cá, o piso salarial teve a seguinte evolução:
O estudo “Planos de Carreira de Professores dos Estados e do Distrito Federal, em perspectiva comparada”, lançado neste ano pelo Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), demonstrou, ao analisar o vencimento inicial praticado pelos Estados brasileiros em 2017, que a maioria deles cumpre o piso salarial:
Todavia, o mesmo não acontece na maioria dos munícipios brasileiros. Segundo aponta o Globo, com base em levantamento feito pelo MEC, estima-se que apenas 2.533 dos Municípios de todos os Estados, incluindo o Distrito Federal, paguem um salário aos professores de pelo menos o valor do piso nacional. Isso representa 45% do total de 5.570 municípios brasileiros.
Apesar de o descumprimento do piso salarial ser ilegal, não há a previsão de uma punição na lei do piso salarial nacional. Os entes da Federação e os gestores públicos que deixarem de pagá-lo estão sujeitos, contudo, à adoção de medidas por parte do Ministério Público. Uma inovação criada por meio de um Termo de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 1º de dezembro 2015, facilitará a fiscalização do MPF sobre o pagamento do piso nacional a partir de agora. Por meio desse Termo de Cooperação, operacionalizado recentemente, o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos de Educação (SIOPE), que passou por uma reformulação, contará com novos campos de preenchimento obrigatórios por todos os entes federativos, dentre eles o vencimento básico, carga horária e local de exercício dos profissionais de Educação Básica vinculados aos Estados, Distrito Federal e Municípios pagos com recursos do FUNDEB.
Carreira atrativa
Mesmo com a garantia do piso salarial e o aprimoramento dos mecanismos de controle e fiscalização, fica a pergunta: ele é suficiente para melhorar a atratividade da carreira de professor?
Ainda que a lei do piso salarial tenha contribuído para a melhoria da remuneração dos professores no Brasil, ela ainda está muito distante daquilo que é praticado em outros países e aquém de um patamar comparável a outras carreiras.
A Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem – TALIS feita pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômica), divulgada em junho deste ano, mostra que o Brasil está dentre as últimas posições de um ranking de 48 países. Não é à toa que quase 30% dos professores realizam alguma atividade extra para complementar a renda familiar.
Além disso, o rendimento médio dos professores é pouco competitivo frente a outras profissões que demandam nível superior. Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, do Todos pela Educação, em 2018, o rendimento médio dos professores da Educação Básica correspondia a 69,8% do salário médio de outros profissionais com curso superior e, ao longo da carreira, essa defasagem salarial aumenta cada vez mais.
A progressão da remuneração ao longo da carreira é um fator importante para reverter o quadro de baixa atratividade. Tanto é que a meta 18 da Lei do Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que deveria ser assegurado “no prazo de 2 anos, existência de planos de carreira para os profissionais da Educação Básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal”.
O estudo já mencionado sobre os “Planos de Carreira de Professores dos Estados e do Distrito Federal, em perspectiva comparada”, demonstra a pequena amplitude salarial do início ao final da carreira de professor.
Segundo o INEP e o MEC, a análise dos 8 estados com amplitude do vencimento básico superior a 150% indica que em 6 deles a causa reside na atribuição de um peso significativamente alto a um critério específico. O Amazonas e o Espírito Santo atribuem, respectivamente, peso de 160% e 79% ao critério “título de doutorado”. A Bahia atribui peso de 109% ao critério “aperfeiçoamento”. São Paulo, por sua vez, atribui peso de 101% ao critério de conhecimento docente”. O Amapá, estado com maior amplitude temporal da carreira (37,5 anos), atribui peso de 103% para a combinação “tempo de serviço” e “avaliação de desempenho”. A amplitude no Paraná é explicada pelo peso de 114% ao critério “certificação”.
Já o Rio Grande do Norte e o Ceará, apesar de terem uma amplitude alta, apresentam pesos balanceados entre seus critérios de progressão. Os achados da pesquisa indicam que os planos de carreira mantêm a prevalência de uma estrutura pouco rígida em termos de organização e jornada de trabalho, assim como um peso excessivo em critérios de progressão tradicionais (titulação e tempo de serviço). É importante que os planos de carreira incentivem o desenvolvimento profissional docente em prol da aprendizagem dos alunos.
Se o professor é um fator essencial para uma Educação de qualidade no país, é fundamental que haja vontade política para estruturar uma carreira mais atraente para essa profissão, com maior remuneração e progressão ao longo dos anos atrelada ao desenvolvimento profissional e à aprendizagem dos alunos. É preciso valorizar o profissional responsável por auxiliar o país a dar um salto em seu desenvolvimento social e econômico.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Advogada e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Consultora da Unesco e Conselho Nacional de Educação.