As propostas da gestão Doria/Covas de investir pesado em EaD (Educação a Distância) não só são um crime contra o projeto pedagógico das escolas, como também não levam em conta as desigualdades da grande maioria dos lares brasileiros.
A escola é espaço de aprendizado e troca! A convivência e o coletivo escolar são partes construtoras da cidadania. Nenhuma cartilha, vídeo e software podem substituir o papel do professor e o projeto pedagógico desenvolvidos por ele nas escolas para os alunos e alunas.
Desigualdades no acesso à Internet
Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) de 2018, indicam que o telefone celular é o único meio de acesso à Internet sobretudo nas classes C (61%), e DE (85%). Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 55% dos acessos móveis do país são pré-pagos. E sabe-se que boa parte dos usuários pós-pago são clientes “controle”, que pagam uma taxa fixa mensal, mas têm um limite, em geral, bastante estrito de tráfego de dados.
Considerando os números e a realidade de desigualdade em nosso país, está mais que claro que a modalidade EaD não só não atenderá as necessidades do momento como também não pode ser regra nas escolas, sobretudo nas escolas públicas do país.
Ainda que seja garantido o acesso a todas as crianças e adolescentes – o que ainda está muito longe de ocorrer, uma vez que ainda restam 33% de domicílios desconectados no Brasil – outros desafios se impõem. Como as desigualdades no acesso a computador e dispositivos móveis.
Dados do IBGE revelam que 42% dos brasileiros (88,41 milhões de pessoas) não possuem computador em casa. Os números comprovam o tamanho do ataque e a tragédia que a gestão tucana quer impor às famílias paulistanas, especialmente as mais vulneráveis.
Confira:
Educação a Distância (EaD) não resolve os desafios do momento e pode aprofundar desigualdades: nota conjunta com o Coletivo Intervozes
A quarentena forçada pelo coronavírus mantém em casa milhões de brasileiros, inclusive crianças, adolescentes e jovens, que tiveram suas atividades educacionais presenciais suspensas de acordo com determinações governamentais e com recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde), de forma a assegurar o distanciamento social, principal forma de contenção da pandemia.
Neste cenário, a Internet torna-se potencialmente o principal meio de acesso de estudantes ao conhecimento, à informação, à cultura e mesmo ao lazer ou à realização de atividades físicas. Não à toa, começam a surgir no Congresso Nacional proposições legislativas que tratam do assunto, com variadas perspectivas – algumas delas preocupantes, como a proposição de autorização da educação domiciliar -, motivo pelo qual é fundamental aprofundar as reflexões sobre o tema.
A centralização das atividades na internet, incluindo a Educação a Distância (EaD) vem acompanhada de muitos problemas, dentre eles: a enorme desigualdade de acesso existente no Brasil.
Desigualdades no acesso à Internet
Segundo pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) de 2018, o telefone celular é o único meio de acesso à Internet sobretudo nas classes C (61%), e DE (85%). Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 55% dos acessos móveis do país são pré-pagos. E sabe-se que boa parte dos usuários pós-pago são clientes “controle”, que pagam uma taxa fixa mensal, mas têm um limite, em geral, bastante estrito de tráfego de dados.
Considerando a necessidade de isolamento das famílias, limitação do serviço de conexão e ampliação do uso familiar da Internet, a realização de atividades intensas em tráfego de dados, as aulas podem ficar comprometidas e deixar a desejar quanto a acesso à informação, à cultura e à educação.
Ainda que seja garantido o acesso a todas as crianças e adolescentes – o que ainda está muito longe de ocorrer, uma vez que ainda restam 33% de domicílios desconectados no Brasil – outros desafios se impõem.
Desigualdades no acesso a computador e dispositivos móveis
O acesso à banda larga não é o único limitante em relação à tecnologia. Outros fatores são relevantes para considerar a possibilidade de avanço da educação à distância no Brasil sem uma estratégia robusta. O acesso a computador, por exemplo, é um diferencial relevante. No Brasil, apenas 9% dos domicílios das classes DE conta com o dispositivo (Cetic.br, 2018). Este índice nos domicílios localizados em áreas rurais é de apenas 20% e, no Norte e Nordeste, de apenas 30%.
Ainda que boa parte da população tenha acesso a dispositivos móveis, nem sempre estes são robustos, com memória e sistema operacional atualizados para suportar, por exemplo, instalação de novos aplicativos. O mesmo serve para os computadores disponíveis para as famílias e que, mais do que nunca, estão sendo compartilhados entre todos os membros.
Risco quanto à proteção de dados
Também deve estar no radar dos parlamentares as implicações acerca da coleta de dados de estudantes por sistemas de ensino e aprendizagem online. Crianças e adolescentes são pessoas em peculiar estágio de desenvolvimento, de forma que não podem consentir acerca do tratamento de seus dados, como prevê, inclusive a Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada por unanimidade em ambas as casas legislativas, porém em período de vacatio legis. Na ausência desta, o Código Civil estabelece que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos. Ou seja, pessoas com menos de 16 anos estão legalmente impedidas de consentir com termos de privacidade e de uso.
É de se ressaltar que a Coalizão Direitos na Rede, da qual o Intervozes faz parte, enviou carta à liderança da Câmara dos Deputados e do Senado solicitando que o Congresso Nacional garanta que as conexões fixas e móveis, de residências e negócios, não sejam suspensas por inadimplência no período de pandemia ou por limitação de franquia de dados. Alguns projetos de lei surgiram em resposta à compreensão da essencialidade do acesso, especialmente neste momento, dentre os quais destacamos dois: o PL 1537/2020 da deputada Margarida Salomão (PT/MG) e o PL 1036/2020, de parlamentares do PSOL.
Outro desafio é quanto à realização acelerada e precipitada de parcerias público-privadas na área da educação, que ultrapassam ainda mais as fronteiras do uso do serviço, compondo um processo de privatização da educação, que impacta em termos de modelo educacional, em termos pedagógicos, e em termos da qualidade da educação e do direito à autodeterminação informativa.
Desigualdades sociais
Há ainda muitos outros desafios, relativos a questões como infraestrutura adequada das residências para um ambiente propício à vida com qualidade e aos estudos – muitos domicílios não têm sequer água encanada ou rede de esgoto, cômodos suficientes para abrigar famílias, etc..
Ainda, outro fator relevante é a presença de pais e responsáveis que tenham possibilidades de acompanhar os estudos das crianças e adolescentes. Esse também é um desafio dado que muitos ainda seguem trabalhando, fora ou em casa, sem tempo para dedicar a muitas tarefas concomitantes. Ainda temos uma parcela grande da população adulta, especialmente de baixa renda, que não tem formação educacional completa, dificultando ainda mais o acompanhamento dos estudos das crianças e adolescentes em casa. De acordo com a pesquisa do Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF 2018, 3 em cada 10 jovens e adultos brasileiros são analfabetos funcionais e 8% das pessoas entre 15 e 64 anos de idade no Brasil são analfabetas.
Esse cenário se agrava quando olhamos para as camadas da população de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e violência – que, muitas vezes, acontece em âmbito doméstico, como o caso dos abusos sexuais e do trabalho infantil, entre outras. Como uma criança em vulnerabilidade, abuso e pressão psicológica terá condições de cumprir com aulas a distância?
Desafios pedagógicos
É preciso também atentar para a falta de adequada formação de professores e dos próprios estudantes para o uso adequado das plataformas, além dos desafios pedagógicos que se impõem. Educação vai muito além de disponibilização de conteúdo, ela se faz através da interrelação entre educador e educando, em um processo de apropriação de cultura, construído em conjunto entre esses sujeitos. Isso se faz impossível em meio virtual.
É preciso ainda considerar que os professores são também pais e responsáveis e estão precisando dividir seu tempo com a apropriação de ferramentas online, reorganização de seus programas de aula, produção das aulas, plantões de dúvidas e exercícios, com as atividades domésticas e de cuidados com seus filhos e outros familiares. Esse dado tem ainda um recorte importante de gênero, já que as tarefas domiciliares e de cuidados ainda permanecem sob a responsabilidade exclusiva das mulheres, infelizmente. E a maioria dos professores do país são mulheres.
Nossas recomendações e posicionamento
De forma complementar as atividades educativas a distância certamente deveriam estar a disposição de todos os alunos do Brasil. Infelizmente, não é o caso. Muitas secretarias de educação já estão decretando o uso de Educação a Distância, sem diálogo com os professores e os estudantes e sem estrutura mínima adequada de condições de trabalho. Dessa forma, recomendamos que:
- As aulas ainda não suspensas sejam suspensas, cumprindo com as recomendações de saúde pública e distanciamento social.
- Aos professores seja oferecido um plano contínuo de capacitação para utilização de recursos multimídia, incluindo o necessário para oferta de atividades complementares à distância.
- As atividades ofertadas a distância sejam complementares, adaptadas ao contexto que estamos vivendo, de forma a dialogar com professores e estudantes esse momento.
- O calendário escolar seja flexibilizado e essas atividades não contem como dias letivos.
- Provedores de serviço de conexão não suspendam a conexão das famílias por motivo de inadimplência ou atingimento do limite da franquia de dados. No segundo caso, que haja, quando necessário, redução da velocidade da conexão com garantia da navegação.
- Governos municipais, estaduais e do Distrito Federal devem instalar infraestrutura para conexão à Internet nas periferias e áreas rurais, com sinal aberto, para permitir o acesso pela população. À Telebras deveria estar atuando neste momento de emergência.
- As secretarias de educação, assim como o governo federal, devem abrir consulta sobre acesso à computadores pelos estudantes e abrir edital de licitação para oferta dos equipamentos à crianças e jovens, de forma a evitar que acesso a dispositivos eletrônicos não aprofunde desigualdades.
- A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) entre em vigor em agosto, como previsto na Lei 13.853/2019, que sejam indicados pelo Executivo, imediatamente, os servidores para composição da diretoria da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Assinam conjuntamente, ainda que atuantes em diferentes arenas, mas por terem preocupações encontradas e por terem o mesmo compromisso com os direitos humanos e com a justiça social:
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Coletivo Intervozes