Dos R$ 3,2 bilhões autorizados para o Ministério de Meio Ambiente em 2019, o governo Bolsonaro executou até o momento apenas R$ 2 bilhões. Para 2020, a situação é ainda pior: o orçamento previsto é de R$ 2,7 bilhões, redução de 15% em relação a 2019 e o menor de toda a série histórica.
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O alerta foi feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) durante o seminário “Desmatamento e Queimadas na Amazônia: Tendências, Dinâmicas e Soluções”, realizado nesta quinta (28) na Câmara dos Deputados. A análise inédita do Instituto mostrou ainda que alguns programas foram praticamente extintos já este ano.
Em 2019, dos R$ 436 milhões autorizados para o Programa Mudanças Climáticas, foram gastos até 26 de novembro apenas 9%, ou R$ 40 milhões. Uma das metas do programa é justamente ampliar a capacidade de monitoramento do desmatamento na Amazônia Legal. Nenhum centavo do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima foi aplicado até esta data.
A relação entre queda do orçamento e da sua execução e o aumento do desmatamento, que cresceu 29,5% de agosto de 2018 a julho de 2019, é inequívoca. Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, há uma decisão política deliberada de não executar o recurso que por si só já é insuficiente para preservar a floresta e desenvolver os projetos previstos. “Temos um orçamento sistematicamente estrangulado ao longo dos anos que em 2019 atinge níveis críticos nesse cenário criminoso em que estamos vivendo”, disse.
Parte do Programa Mudanças Climáticas, a principal ação orçamentária do Ibama destinada à “Prevenção e Controle de Incêndios Florestais” encolheu de R$ 63 milhões (autorizado) em 2016 para R$ 47 milhões no primeiro ano do governo Bolsonaro. Até agora foram gastos apenas R$ 28 milhões. A proposta de orçamento do governo para 2020 reduz ainda mais os recursos previstos esta ação: apenas R$ 29,6 milhões.
Mais que os números, no entanto, é importante politizar a discussão, lembrou Alessandra. “Por que o orçamento do MMA não pode ser R$ 6 ou R$ 10 bilhões? Qual o valor social e ambiental disso? É uma escolha política não haver um orçamento 10 ou 20 vezes maior. A discussão de que não há dinheiro por conta da crise fiscal é um discurso equivocado e oportunista. Tem que ousar mais e refletir sobre qual é o destino que se quer para a Amazônia”.
A assessora do Inesc também defendeu que é preciso recompor e retomar o orçamento do Meio Ambiente para 2020. O Inesc propõe que no Plano Plurianual (PPA 2020/2023), se aprove a emenda que cria o Programa “Prevenção e controle do desmatamento e dos incêndios nos biomas” com o objetivo de reduzir o desmatamento e os incêndios e aperfeiçoar o controle ambiental.
100% dos processos de demarcação de terras indígenas estão parados
Durante discurso feito em Manaus esta semana, Bolsonaro criticou o que considera “indústria da demarcação” de terras indígenas. “Nós temos no estado Amazonas, hoje, a maior parte tomado por reservas indígenas, áreas de proteção ambiental, estações ecológicas, parques nacionais, entre outras políticas ambientalistas que, em parte, prejudicaram o crescimento do nosso Brasil”, disse.
Além disso, Bolsonaro tem reiteradamente dito que enquanto for presidente, não haverá demarcação de terras indígenas. Durante o seminário, Kleber Karipuna, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, lembrou que isso é inconstitucional. “É um direito garantido na Constituição Federal, mas de uns tempos para cá praticamente 100% dos processos de demarcação estão parados”.
Para Karipuna, estamos voltando à época de massacres constantes que ameaça inclusive povos isolados “Esses povos podem ser dizimados antes mesmo de confirmada a sua existência. Isso se agrava com o crescimento da política desse governo em favorecer o avanço do agronegócio e asupressão dos direitos conquistados”, disse.
Levantamento do CIMI mostra que 21 Terras Indígenas com registros da presença de povos isolados foram invadidas por madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores e outros em 2019.
Kleber Karipuna lembrou também que, nos territórios indígenas, o princípio do combate aos incêndios é feito pelos próprios povos indígenas, seja com brigadas e com iniciativas como os Guardiões da Floresta. E lembrou o caso da TI Arariboia, no Maranhão, onde foi assassinado o guardião Paulino Guajajara e área que enfrenta incêndios constantes.
“O caso do Paulino nos preocupa porque pode ser o estopim de vários se não enfrentarmos essas questões. Não foram os pistoleiros. Quem apertou o gatilho indiretamente foram outras pessoas”, afirmou.
Desmatamento só cairá com comando e controle
Outros participantes do seminário apresentaram dados sobre a incidência de desmatamento e queimadas na Amazônia com destaque para a importância da fiscalização, monitoramento e medidas efetivas para resolver esses problemas.
Claudio Almeida, do INPE, Paulo Barreto, do Imazon, Ane Alencar, do IPAM e Mariana Napolitana, do WWF, enfatizaram que a ciência é fundamental para dar suporte a essas ações.
Diretora de ciência do IPAM, Ane afirmou que, pelas análises, já é possível saber onde irão acontecer as queimadas em 2020. “As áreas que não queimaram em 2019 precisam ser passíveis de investigação. Nós sabemos onde vai acontecer o fogo ano que vem. Só em terras públicas está um terço do desmatamento. É importante que isso seja uma prioridade desse governo”, cobrou.
O procurador federal Felício Pontes, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que atua no Pará, relatou que acompanhou todos os planos de controle do desmatamento implantado pelos últimos governos federais. Para Pontes, havia um plano que atacava diretamente o desmatamento e uma intenção do governo em fazer que aquilo acontecesse, independente de algumas iniciativas serem mais ou menos bem-sucedidas. Hoje, a situação é diferente.
“O Ministério Público deve ser visto primordialmente como termômetro da situação. Quando a política ambiental não dá certo, há uma demanda que em primeiro lugar bate dentro dos órgãos do sistema de Justiça. Temos exata noção do que deu certo e não deu certo dentro da área em que trabalhamos”, lembrou.
“Quando a gente vê o debate acontecendo hoje, que tem como objetivo desqualificar o trabalho técnico e científico do INPE e de organizações da sociedade civil, a gente vê um retrocesso que remonta há 30 anos”, afirmou Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA).
Para Ramos, retrocedemos para a época da Rio 92, quando se começou a construir um consenso de que o Brasil tinha que mudar o padrão de ocupação da Amazônia, de uma lógica que dizia que o desmatamento era caminho para o desenvolvimento. “E o que a gente vê hoje é essa mudança de paradigma. O governo federal traz para a agenda política o fortalecimento de ações que são ilegais e pressionam o uso sustentável da floresta”, criticou.
Brent Millikan, da International Rivers, citou o “Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm)” como exemplo de políticas que já existem e funcionam para superar a emergência crônica de desmatamento e queimadas. “Mas isso requer a atuação coordenada de governo e colocar o desmatamento no centro da política ambiental. Essa ação integrada e efetiva pressupõe a superação de velhas dicotomias de desenvolvimentismo versus política ambiental, senão não tem como ter uma política coordenada. Isso continua como um desafio”, disse.
Fonte: Inesc