Segundo fatos registrados pela imprensa nos últimos quatro meses e dados reunidos pela comunicação do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (SEESP), é possível afirmar que o impacto da pandemia do novo coronavírus é maior na periferia, onde o adensamento populacional é maior, as condições sanitárias são menores e a situação habitacional é precária, com numerosas construções aglomeradas e pequenas, onde milhares de famílias vivem sob um único cômodo, dividindo o banheiro com muitas pessoas.
Além disso, muitos não puderem se manter em isolamento total devido à necessidade de continuar trabalhando e boa parte depende de transporte público para seus deslocamentos. Como no Sapopemba, onde um estudo inédito aponta uma taxa de isolamento social de 87% para que o bairro registre menos óbitos. O distrito é um dos 14 mais atingidos pela doença na capital paulista.
Qual seria a taxa de distanciamento social em cada bairro? Um levantamento inédito da Ação Covid-19, grupo formado por pesquisadores da Universidade Federal do ABC e colaboradores de outras instituições brasileiras, demonstra que o índice de 70% de isolamento social, preconizado como ideal desde o início da crise sanitária pelo Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, criado pelo governo do Estado de São Paulo, não é suficiente para atenuar os efeitos da pandemia em localidades com maior adensamento populacional, como Sapopemba, um dos três bairros estudados, que comparou os resultados da curva de contaminação nessas regiões a partir de um simulador que mostra possíveis cenários de contágio pelo vírus da Covid-19. Os outros dois são Brasilândia e Jardim Paulista, que registrou a primeira infecção da doença no Brasil.
A conclusão do estudo é de que o isolamento de 70% bastaria para atenuar os efeitos da pandemia no Jardim Paulista – com 88.692 mil habitantes, sendo o 19º mais denso (14.540 hab/km²), segundo dados de 2020 da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) – e até em Brasilândia, que é o 27º mais denso (12.615 hab/km²), com 264 mil habitantes. Mas, seria insuficiente em Sapopemba, com 284 mil habitantes (21.076 hab/km²), sendo o 4º mais denso e o 3º mais populoso da cidade.
Desde o início da quarentena no estado, nunca a capital alcançou esse índice de isolamento. E, mesmo se tivesse, segundo o estudo, concluído no final de maio, às vésperas do Plano São Paulo de reabertura da atividade econômica, “a reabertura da economia seria trágica para a cidade, com as curvas se acelerando novamente, como observado nas simulações”.
O simulador usado foi desenvolvido por pesquisadores da UFABC, como explica José Paulo Guedes Pinto, que atua com economia política (nacional e internacional), tecnologias sociais e economia solidária: “Comecei a desenvolver em março a partir de um modelo feito para o vírus da gripe, modificando para o novo coronavírus, que considera duas variáveis importantes: a densidade populacional e o que a gente chama de chance de transmissão, quando duas pessoas se encontram. E isso depende do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano, usado para medir o nível de desenvolvimento dos países pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] do local e de algo que estamos chamando de IPC, Índice de Proteção ao Coronavírus, que é baseado em variáveis de entorno, que tem a ver com a infraestrutura social do bairro”.
O IPC foi desenvolvido por outros pesquisadores do Ação Covid-19, como a jornalista Maira Begalli, doutora em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, tendo em vista que o IDH poderia não refletir a realidade. Na cidade de São Paulo, seguindo os critérios usados para medir o IDH, que varia de 0 a 1, a maioria dos distritos está classificada entre “Alto” e “Muito Alto”. “Sabemos que isso não reflete a realidade dos bairros. Por isso, criamos o nosso próprio índice usando variáveis do IBGE que determinam situações do entorno como iluminação publica, coleta de lixo, acesso à água e saneamento, tipo de habitação, renda, número de mulheres que são chefes de família”, explica Begalli.
A inclusão desses critérios possibilitou a calibração da ferramenta que tornou possível saber qual é a dinâmica da pandemia em diferentes bairros. Com isso, constatou-se que os mais ricos têm maior proteção e os mais pobres menor proteção, em geral.
“Então, quanto mais precário o território, menos proteção ele vai ter. Sempre as regiões mais pobres são impactadas, se não em nível de infecção, em número de óbitos. Sempre se morre mais e isso está relacionado diretamente ao IPC menor. No Sapopemba, existe um fator associado que foi determinante para o resultado: a densidade demográfica”, explicou Bruna Gaudencio Guimarães, formada em Relações Internacionais pela UFABC e pesquisadora na área de segurança ambiental, biológica e alimentar.
Como funciona o simulador
A ferramenta está disponível na página da Ação Covid-19. Ao abrir, escolher na busca, no canto direito inferior do gráfico, qual bairro será simulado. Ao escolher Sapopemba, por exemplo, sabe-se que a população é de 21.076 habitantes, com IPC “Alto”. Preencha os espaços determinados para esses critérios. Depois, selecione qual porcentagem de confinamento quer realizar a simulação, por exemplo, 70%. Antes de clicar em “Iniciar” que é a mesma tecla usada para “Parar” a simulação, clique em “resetar” e, em seguida em “Iniciar/Parar”. Dica: para calibrar melhor a ferramenta, clique algumas vezes em “Iniciar/Parar”. No resultado da simulação, com 70% de isolamento social (abaixo), é possível perceber que no 69º dia de infecção, 16,16% da população se contaminaria e 0,6% morreria.
“Para que o distrito de Sapopemba tenha um percentual de infectados simultâneos inferior a 10% de sua população no pico da curva epidêmica, como observados para Jardim Paulista e Brasilândia, seria necessário aumentar o isolamento social para 87%”, diz um trecho do estudo, que utilizou um simulador mais potente do que o disponibilizado online na plataforma Ação Covid-19. Na simulação acima, realizada na ferramenta disponível online, é verificado que, mesmo com os 70% desejável, 0,6% da população local iria a óbito. Já com os 87%, verifica-se que o pico da contaminação se daria no 125º, com 3,73% da população atingida e somente 0,1% morreria em decorrência da doença.
Entidades preparam nota por mais transparência nas informações
Diversas organizações da sociedade civil, como a Transparência Brasil – juntamente com o grupo de pesquisadores – devem divulgar nos próximos dias uma nota conjunta alertando sobre a falta de divulgação de dados mais detalhados sobre a pandemia do novo coronavírus. A ausência de informação sobre a situação real das localidades causa desinformação geral na população, que precisa ser orientada adequadamente, além de impossibilitar a implementação de ações específicas para cada região.
Nas últimas semanas, tanto a administração municipal, quanto a estadual, têm afirmado que há uma queda na velocidade de crescimento da doença e das mortes. Como disse o próprio governador João Dória, na coletiva realizada ontem (13/7): “O número de óbitos cai pela terceira semana consecutiva e são Paulo tem a menor taxa de letalidade da série histórica. Diminuíram 27 óbitos na semana que se encerrou no sábado ultimo, em relação à semana anterior. De 1.733 baixou para 1.706”.
Contudo, os dados não são divulgados por completo, o que torna difícil entender as afirmações das administrações. Sabe-se que quanto mais detalhados forem os dados, melhor é a qualidade da análise. Na capital paulista, o último dado oficial divulgado no site da PMSP com informações por distrito é do dia 29 de maio. Desde então, não se conhece quantas pessoas estão infectadas e morreram, por bairro, e qual a taxa de isolamento social em cada uma dessas localidades.
“Sempre foi difícil encontrar os números desagregados na menor unidade territorial disponível, por bairro, que é o ideal para analisar. Esse mapa que você teve acesso, nós também tivemos, mas não explica muito, teria que ter um relatório explicando esses dados. E, agora, existem relatórios diários, mas com nível de detalhe muito baixo e isso dificulta checar a veracidade dos dados”, explica o cientista social Guilherme Prado Almeida de Souza, também da UFABC, referindo-se a um mapa recebido da PMSP pela Comunicação do SEESP (abaixo).
“Não se tem acesso a todos os dados de forma transparente, o que dificulta afirmar qualquer coisa. Então, estamos fazendo uma nota com o portal Transparência Brasil, e outras organizações, que pede uma série de dados como: número de leitos hospitalares, em UTIs, nas redes pública e privada, divisão por gênero, raça, idade. Em outros países esses dados são informados e aqui não são. Isso dificulta”, completa Souza.
Ainda de acordo com os pesquisadores, os dados que vinham sendo divulgados demonstravam que o vírus “não é democrático”. “A gente percebe que tem duas curvas: uma dos ricos outra dos pobres. Mas, como não se tem mais os dados por bairro, não é possível constatar isso claramente. Há indícios de que a doença foi controlada nos bairros ricos, que há uma internalização da doença, que está penetrando no interior do estado e no interior da cidade”, completa Guilherme Souza.
O SEESP obteve, além do mapa acima, outros três mapas iguais a esse de períodos diferentes, o que dá para apontar que muitos bairros já davam sinais de alta no número de contaminados E mortes. Em 15 de abril, o número de óbitos no Sapopemba era de 28 pessoas, só perdendo para a Brasilândia, que registrava 33. Em 27 de maio, o número já era de 205 mortes, se aproximando do número da Brasilândia (209). Em 18 de junho, ultrapassou a Brasilândia (277), com 300 pessoas mortas por causa do novo coronavírus.
Análise qualitativa
Para entender melhor cada região, o Ação Covid-19 prepara uma abordagem com a população local organizada e movimentos sociais para fazer uma análise qualitativa. Já o governo do Estado e a PMSP anunciaram durante a coletiva de segunda-feira (13/7) que realizarão milhares de testes rápidos nas regiões onde residem as populações mais vulneráveis economicamente, como no Jardim Pantanal, onde serão aplicados 3.500 testes a partir desta semana, segundo o governo do estado. A testagem em massa também é outra ferramenta importante no combate ao novo coronavírus, que possibilita saber onde ela está e, com isso, adotar estratégias para impedir sua disseminação. Até agora, o Brasil não conseguiu realizar testes suficientes para tal.
De acordo com dados do Inquérito Sorológico de Prevalência da Covid-19, da prefeitura, que diz quanto da população foi infectada e onde, divulgado a cada 15 dias, Sapopemba e Brasilândia, objetos do estudo da Ação Covid-19, estão entre os 14 bairros onde há mais casos. Outros 12 são: Cachoeirinha, Jaçanã, Liberdade, Santa Cecília, Cidade Ademar, Jardim São Luiz, Campo Limpo, Capão Redondo, Parque São Lucas, Itaim Paulista, Itaquera e Lajeado.
Os resultados foram divulgados na quinta-feira (9/7), que também revelou que o índice de prevalência da doença na cidade agora é de 9,8%, acima do relatório anterior, que foi de 9,5% , o que equivale a 1 milhão e 200 mil pessoas já infectadas.
O governo do estado divulgou ontem uma nova ferramenta que mapeará o comportamento do coronavírus e identificará com precisão a incidência do vírus sobre as áreas mais carentes e vulneráveis do estado como cortiços, comunidades indígenas e quilombolas. Outro dado divulgado pelo secretário executivo da Habitação, do Estado, Fernando Marangoni, a região metropolitana de São Paulo, que inclui a Capital, concentra 81% dessas áreas mais vulneráveis.
Questionada sobre medidas especificas para conter a pandemia nos bairros mais pobres, a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), respondeu ao SEESP que mais de nove mil Agentes Comunitários de Saúde realizaram, até o dia 19 de junho, 1,3 milhão de abordagens, com visitas e orientações em cerca de 8.800 ações comunitárias. Também afirmou que o isolamento social é orientado de acordo com a realidade do local, sem detalhar de que forma é feito e quais os índices orientados.
Em um vídeo institucional da PMSP sobre o Inquérito Sorológico de Prevalência da Covid-19, é informado que as coletas ocorrerão durante quatro meses em 45 mil pessoas, maiores de 18 anos. Mesmo sem o mapeamento nos distritos, a capital reabriu sua economia desde o dia 10 de junho – como ocorre em quase todo o estado. Conhecer os dados, como alerta Solange Saboia, coordenadora da Coordenadoria de Vigilância em Saúde, no mesmo vídeo, “impacta inclusive no processo de reabertura da economia, né? Vamos conhecer melhor, por região, do município de São Paulo, como está essa população, se ela está suscetível, se ela está com a doença aguda ou se já tem anticorpos para a doença”.
Abaixo, os dados disponíveis de casos e óbitos confirmados em toda a capital paulista, desde 29 de abril até 12 de julho, organizados em um gráfico e em uma tabela:
Reportagem de Deborah Moreira
Fonte: Comunicação SEESP