Foto: Alan Santos/PR (https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/)
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Em levantamento recente, o Inesc mostrou que cortes de Bolsonaro pouparam setores historicamente privilegiados, como o Legislativo e o Judiciário. Entretanto, áreas relacionadas com a garantia de direitos humanos, como a educação, o combate à violência contra a mulher e de proteção aos povos indígenas, foram drasticamente atingidas.

Ao todo, o governo já contingenciou R$ 31 bilhões. Dentro dessa verba, diversos programas do governo federal sofreram impactos, e outros deixaram de existir sendo alvo do corte total de verbas. O contingenciamento afetou praticamente todas as áreas de atuação da União (chamadas de Funções), com exceção das funções Legislativo, Judiciário, Saúde e Reserva de Contingência.

Entre as funções contingenciadas cerca de um terço foi direcionado a políticas sociais (educação, trabalho, assistência social, direitos da cidadania, segurança pública, habitação, saneamento e organização agrária, entre outras). Entre essas, o maior corte foi na Educação, que sozinha representou 18% do total contingenciado, fato que mobilizou atos em todo país.

A segunda área mais atingida é a dos Direitos da Cidadania, que viu seu orçamento encurtar em 27%. Esse é um dos cortes mais cruéis de Bolsonaro, já que diz respeito a pautas de setores historicamente vulneráveis como mulheres, população indígena e negra, migrantes, e pessoas com deficiência.

No âmbito da Educação, as ações 100% contingenciadas são:

A ação “Apoio à Infraestrutura da Educação Básica”, direcionada para implantação e adequação de estruturas esportivas escolares. De acordo com o IBGE, em apenas 27% das cidades brasileiras escolas possuem campo de futebol, ginásio, pista de atletismo ou piscina. Nos estados de Rondônia, Amapá, Pernambuco e Mato Grosso do Sul, não há escolas estaduais com equipamentos esportivos. Apesar disso 100% dos recursos estão contingenciados

 A ação “Concessão de Bolsa Permanência no Ensino Superior” que, segundo o site do MEC, tem o intuito de minimizar as desigualdades sociais, étnico-raciais e contribuir com a permanência e diplomação de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.  Tal recurso, garantia a permanência de indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda nas universidades, sendo assim, a falta de recursos para essa ação é um sinal de que as desigualdades dentro da universidade vão se ampliar, desse modo milhares de alunos que dependem dessa bolsa podem abandonar a universidade.

As ações relacionadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA) também sofreram 100% de corte. A EJA já é historicamente um dos setores mais fragilizados da educação, cortar recursos nessa área significa ampliar ainda mais a situação de vulnerabilidade daqueles que não tiveram acesso à educação na idade adequada. Nosso mandato, ciente dessa situação, criou o “Conselho de Educandos e Educadores da EJA” para formular políticas públicas de valorização da EJA junto com aqueles que vivem essa realidade no dia a dia.

Ações relacionadas à proteção das mulheres também foram contingenciadas

Em 2019, foram autorizados R$ 48,2 milhões para o Programa “Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência”, valor que já representava metade do que foi alocado em 2017. Destes, R$ 21,5 milhões seriam para o Disque 180, mas foram cortados R$ 4,5 milhões. Esse programa – que é a principal porta de entrada da política de enfrentamento a violência, o número para o qual todas as brasileiras podem ligar em caso de sentir-se ameaçada ou de ser agredida – teve uma redução de 20,7%.

Em relação à Casa da Mulher Brasileira, equipamento fundamental para abrigar mulheres em situação de risco, foram contingenciados 54% dos recursos, já insuficientes, de R$ 1,3 milhão. Hoje, são sete unidades construídas que necessitam de verbas para manutenção, e apenas duas em pleno funcionamento.

As principais ações do programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” também sofreram com os contingenciamentos

Tais cortes orçamentários compõem o quadro de etnocídio em curso no país: eles atingem tanto a garantia aos direitos territoriais indígenas como esvaziam políticas de participação, de incentivo à autonomia econômica das comunidades, preservação do patrimônio cultural indígena, além de políticas elaboradas para grupos específicos como os grupos indígenas de recente contato.

Nesse contexto, uma política que sofreu com o contingenciamento foi a “Preservação Cultural dos Povos Indígenas”, destinada ao estudo e proteção do patrimônio cultural indígena por meio de pesquisas, divulgação e documentação. O corte atingiu 34% de seu orçamento inicial. Na ação “Direitos Sociais e Culturais e a Cidadania”, relacionada a instâncias de monitoramento, acompanhamento e participação nas políticas voltadas aos povos indígenas, o corte foi de 31%.

Nessa ação, chama atenção a retirada de R$ 161 mil dos já insuficientes R$ 475 mil autorizados para o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), principal órgão consultivo das políticas públicas para os povos indígenas, cujas reuniões estão suspensas desde 2016. Junto com as demais instâncias participativas, o conselho sofreu recentemente o ataque do governo Bolsonaro por meio do Decreto 9.759/19, que extinguiu os órgãos colegiados da esfera pública.

A ação “Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento” sofreu contingenciamento de 35%. Trata-se de ação relacionada à concretização da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), que trata as reivindicações indígenas e promove autonomia produtiva para as comunidades de acordo com suas tradições culturais. É também com recursos desta ação que a FUNAI faz o acompanhamento do componente indígena no licenciamento ambiental. O Plano Orçamentário destinado a esse acompanhamento teve 47% de seus recursos contingenciados.

Ações importantes para as garantias territoriais indígenas também sofreram cortes, o que promove conflitos, pois, a falta de investimento em tais políticas tem aumentado as invasões de garimpeiros e madeireiros a esses territórios, muitas vezes resultando em mortes por doenças e assassinatos de grupos indígenas. Da mesma forma, é preocupante o corte de 38% na ação “Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas” em um momento em que os conflitos fundiários e os ataques aos territórios indígenas atingem níveis alarmantes.